Os contornos da escultura de bronze “Guanabara”, de uma mulher deitada, ganharam novos sentidos para a professora Luana Nascimento Figueiredo, 27, em visita à Pinacoteca. “Agora entendi o que inspirou o artista Alfredo Ceschiatti [1918-89]. Reparei nas curvas que representam o corpo de uma índia. Me lembrei do Pão do Açúcar, de quando fui para o Rio.”

Luana tem surdez profunda e não ouve nem com a ajuda de aparelhos. Assim, nunca pôde usar audioguias, comuns em museus. Na semana passada, porém, ela esteve na Pinacoteca acompanhada da sãopaulo e testou o videoguia que o local lançou em 9 de dezembro, em que uma intérprete explica obras em Libras (Língua Brasileira de Sinais).

No videoguia, há a descrição de 17 obras do acervo, como “O Mestiço”, de Cândido Portinari, e “O Importuno”, de Almeida Junior. O equipamento, chamado Orpheu e importado da França, pode ser retirado gratuitamente na recepção do museu.

“A primeira forma de comunicação dos surdos é em Libras e depois em português. Para oferecer acessibilidade, é preciso estimular os outros sentidos com o objetivo de compreender a arte”, afirma Amanda Tojal, 57, coordenadora do Programa Educativo para Públicos Especiais do museu.

Além da Pinacoteca, outros endereços oferecem opções para deficientes físicosauditivos e visuais, uma parcela da população que está crescendo. O número de pessoas com algum tipo de deficiência quase dobrou no país em uma década. Em 2000, eram 24,5 milhões, e em 2010, 45,6 milhões, segundo o IBGE. Na capital paulista, são 2,7 milhões, que somam cerca de 25% da população da capital.

“Com o aumento da expectativa de vida, o envelhecimento pode acarretar perda de visão, audição e locomoção. Nos centros urbanos, a violência também pode causar danos físicos”, diz Cláudia Cotes, 44, da ONG Vez da Voz e uma das autoras do “Guia de Acessibilidade Cultural” (www.acessibilidadecultural.com.br ).

Itaú Cultural estreou seu videoguia em Libras em setembro –iPads e iPods trazem vídeo em que surdos percorrem o espaço descrevendo obras.

“Para um surdo, ir ao museu pode ser muito chato porque vejo as obras, mas não entendo o significado. Às vezes, há um texto. Compreendo alguma coisa, mas minha primeira língua é Libras”, disse Felipe Nicasttro Correia da Silva, 23, assistente-administrativo, ao visitar o local no mês passado.

Já no Museu de Microbiologia, do Instituto Butantan, o desafio foi tornar micro-organismos visíveis para cegos. O programa MicroToque, aberto em outubro, oferece modelos tridimensionais de vírus, bactérias e outros.

Se algumas instituições investem em recursos, boa parte nem deu o primeiro passo. “Embora tenha aumentado, mais da metade dos museus de São Paulo não oferece acessibilidade”, afirma Viviane Sarraf, 34, diretora da Museus Acessíveis, que presta consultoria a equipamentos culturais.

A questão financeira, diz, é a maior barreira. Para gravar conteúdo no audioguia ou no videoguia, o custo varia de R$ 3.500 a R$ 12 mil. Mudanças estruturais num prédio são mais caras, ainda mais se o imóvel for tombado.

No Museu Paulista, conhecido como Museu do Ipiranga, não há acesso para cadeirantes por elevador ou rampa. O projeto de reforma arquitetônica é prometido ainda para este ano. “Como o edifício é tombado, é necessário um estudo para preservar sua estrutura, de 120 anos”, explica Sheila Walbe Ornestein, diretora do museu. Depois, o projeto deverá ser aprovado nos órgãos de defesa do patrimônio: Conpresp (municipal), Condephaat (estadual) e Iphan (federal).

Eventos esportivos podem dar um empurrãozinho. “Um dos principais legados que os museus deverão constituir com eventos como a Copa é a completa adequação para o atendimento de todos os públicos. Vários recursos já são pensados nessa direção”, diz o secretário estadual da Cultura, Marcelo Araujo. Com isso, a Casa das Rosas deverá ganhar uma rampa e o Museu Afro Brasil, audioguia e videoguia.

Fonte: Folha de São Paulo

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